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Justiça do Maranhão descumpre decisão do STF e determina despejo de camponeses de Balsas em plena pandemia

Pela segunda vez em menos de dois anos – e em plena pandemia de covid-19 –, oito famílias camponesas da comunidade Bom Acerto, zona rural do município de Balsas, Maranhão, estão passando pelo pesadelo de serem despejadas de suas terras tradicionais por latifundiário do agronegócio. No dia 09 de fevereiro, as famílias foram surpreendidas por homens dirigindo tratores e uma carregadeira destruindo grande parte do território, que fica no Cerrado maranhense. A destruição foi feita inclusive à noite, com o uso de tratores e correntão. Um homem se apresentou no local como advogado do suposto dono das terras e afirmou que as famílias seriam despejadas.

O latifundiário autor das ameaças e destruição é João Filipe Miranda Demito, filho do ex-prefeito de Balsas, Jonas Demito. O empresário alega ser dono das terras onde os camponeses vivem há mais de meio século. Porém, um parecer de 2021 do Iterma (Instituto de Terras do Maranhão) informa que há “possível inconsistência na matrícula imobiliária 6.910”, a matrícula de registro do imóvel de quase oito mil hectares que João Filipe Miranda Demito diz ser dono.

Licença para destruir

A destruição do território avança com rapidez. Imagem de satélite mostra a devastação do Cerrado e o “cercamento” das famílias entre dezenas de variantes – veredas desmatadas por onde circularão máquinas que empreenderão mais destruição.

Mesmo a área estando sob litígio, em 26 de junho de 2020 a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Maranhão (Sema) expediu licença ambiental para que o latifundiário siga com suas atividades no território. A licença vale até 26 de junho de 2023.

Primeiro despejo

Em agosto de 2020, as oito famílias, cerca de 40 pessoas, foram despejadas de suas casas por decisão liminar favorável a Demito dada pelo juiz Tonny Carvalho de Araújo Luz. As casas e plantações dos camponeses foram destruídas, e animais de criação foram mortos por quem dirigia as máquinas a mando do latifundiário. As famílias passaram a sobreviver sob um tenda cedida pela prefeitura no município de Balsas.

Em maio de 2021, após uma liminar do Tribunal de Justiça, as famílias retornaram às suas terras tradicionais para reconstruir a vida no mesmo local onde as casas haviam sido destruídas. Tendas e barracos improvisados foram levantados pelos camponeses para garantir uma situação mínima de sobrevivência.

Nova decisão judicial

No início de fevereiro desse ano uma nova decisão do Tribunal de Justiça, assinada pelo desembargador Douglas Airton Ferreira Amorim, anulou a liminar de 2021 e determinou uma nova reintegração de posse, abrindo caminho para mais violência e expropriação contra os verdadeiros donos da terra.

A decisão do desembargador contraria uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspende despejos e remoções, nas áreas urbana e rural, até 31 de março desse ano, em função da pandemia de covid-19.

A defesa dos camponeses pretende recorrer da decisão. “É uma grave violação dos direitos humanos que nós assistimos mais uma vez. Essas famílias, ao longo dos últimos meses, solicitaram do Estado apoio para reconstrução de suas vidas – as vidas foram aniquiladas por conta de um primeiro cumprimento de uma decisão judicial em agosto de 2020, em plena pandemia. E agora mais uma vez, quando há um aumento significativo dos casos de contaminação da covid, nova decisão judicial determina o desalojamento compulsório desses moradores”, disse em entrevista à TV Mirante Diogo Cabral, advogado que atua no caso das famílias de Bom Acerto.

Comissão Pastoral da Terra (CPT), Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), Associação Camponesa e Diocese de Balsas estão em contato com as famílias para auxiliá-las na defesa de seus direitos. O governo do estado do Maranhão foi acionado, mas ainda não há uma resposta efetiva em relação à defesa das famílias e de seu direito à terra.

No dia 04 desse mês, o camponês Manoel Batista Nunes, de 87 anos, morador de Bom Acerto, morreu em decorrência de complicações de saúde que apareceram depois de ser despejado da comunidade em agosto de 2020. Com mal de Parkinson, Manoel entrou em depressão após o despejo, e não conseguiu reconstruir a vida na comunidade.

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